40 Anos do CES – Intervenção de Ana Benavente

“40 Anos do CES” – A Imaginação do futuro. Saberes, experiências, alternativas. Coimbra, 7.11.2018

Mesa: Educação, Sociedade e Democracia: perigos e esperanças dos futuros em construção

Intervenção de Ana Benavente, OP.EDU

“Nesta breve intervenção, vou formular algumas reflexões críticas e eventualmente polémicas, para alimentar o debate, em torno do tema que aqui nos reúne e do aniversário que celebramos.

A Educação, tanto no campo académico – investigação e intervenção – como no debate público, quer nos média, quer em iniciativas políticas de esquerda ou ainda em órgãos que já tiveram, no passado, funções críticas e questionantes (caso do CNE) vive tempos muito difíceis que caracterizaria do seguinte modo:

Pesquisa fragmentada = conhecimento fragmentado.

Porquê?

. Pela concorrência entre Centros de Investigação que procuram assegurar os seus financiamentos e a vida institucional,

. pela evolução das Ciências da Educação que, na procura de especialização e de afirmação académica, foram perdendo sentido tanto na influência sobre as políticas como na vida educativa, formal e não formal

. pelo fechamento entre campos disciplinares, o que reforça a fragmentação do conhecimento e impede a análise da realidade educativa,

. pelos financiamentos que marcam a agenda da investigação, para o que tem contribuído o estatuto do Ensino Superior com os seus indicadores de publicações, de papers e de tarefas burocráticas.

Intervenção educativa desvalorizada. Se a investigação acção e o trabalho com os parceiros educativos já foram reconhecidos como dimensões importantes de produção do conhecimento, hoje a intervenção financiada traduz-se em recolha de dados sem retorno, em formações repetidas, em projectos com de grande carga burocrática no que diz respeito às escolas e em actividades dispersas – sempre com excepções, bem entendido.

– Debate sobre Educativo empobrecido. Basta ler os jornais, as tv’s e acompanhar as redes socais para nos apercebermos de que os temas dominantes são, hoje, a carreira docente, os manuais (e não os materiais escolares, atenção), os manuais e as suas atribulações e os exames e rankings, com uma situação de bullying aqui e ali e algum outro acontecimento ocasional.

Políticas liberais promovidas pelos governos de direita, mas continuadas e apenas levemente revertidas pelos governos de esquerda, como se a direita lhes permitisse, afinal, assumir medidas que o quadro ideológico em que se movem não anunciam nem caucionam. Ficamos sempre pior. Temos também que agradecer à OCDE e aos seus rankings – que já querem alargar ao 1º ciclo e ao pré-escolar – tão bem recebidos pela opinião pública e que vieram naturalizar a educação como e apenas como uma dimensão económica da vida individual e colectiva. Silenciosamente, as políticas vão mudando, sem revolta organizada, a face duma instituição escolar que quisemos e queremos emancipadora e cidadã, de difícil construção, todos o sabemos.

O CES, cuja dimensão e carácter inovador aqui celebramos, teve, no passado, interesse pela pesquisa em educação, que se traduziu nomeadamente em artigos e até em números temáticos no início da vida da Revista Crítica de Ciências Sociais. Dessa ligação, para além de intervenções em escolas e outras actividades que admito desconhecer, o CES está ausente da vida educativa – assinalemos, claro, o Ensino Superior e os projectos que o nosso colega Paulo Peixoto tem realizado e conduz actualmente, e, claro, o Observatório (OP.EDU), parceria CeiED/ULHT e CES/UC que aqui representamos. Todos sabemos que, quando alguém deixa de ocupar um espaço social e institucional, outros tomam conta dele. Na Educação, foram as fundações privadas ligadas a grandes empresas e as organizações internacionais que o fizeram. Ficámos  mais pobres e dependentes de projectos alheios.

Isto acontece num período em que as políticas de direita que marcaram a crise mas que já vinham a ser desenvolvidas antes disso, mantêm os aspectos mais gravosos e estruturais da vida educativa, cultivando uma aparência de modernização e de medidas materiais positivas (caso dos manuais escolares que reforçam a escola expositiva do passado), marginalizando ao mesmo tempo, dimensões decisivas para a democracia. Esperávamos mais e melhor do actual governo.

Temos hoje uma Instituição escolar que mantém as reprovações (que acreditei, pela sua natureza de produção escolar socialmente desigual, que desapareceriam nos anos 80) que se orienta por rankings externos e internos, que não constitui, na sua organização, um espaço de vida democrática, que cultiva a concorrência e o individualismo como valores que informam as suas práticas. Há excepções, há boas práticas, mas são hoje menos numerosas e significativas, mais sectoriais e isoladas.

Não acabou a “resistência” e a inovação, mas andam fracas, cansadas e dispersas.

Assim, quero indicar algumas das políticas que considero gravosas para a Instituição Escolar – deixando a educação permanente para outros intervenientes – e terminar com uma proposta positiva de investigação e de acção.

Essas políticas, que se articulam e complementam, são, entre outras:

– A municipalização, com o seu cortejo de desigualdades e de outras perversões democráticas (nuns casos poderá ser excelente, noutros poderá haver partidarização e empobrecimento das escolas e as democracias não deixam a Instituição Escolar ao acaso dos poderes locais). Acrescente-se que os Conselhos Municipais de Educação são, hoje, órgãos burocráticos que um governo de direita criou para substituir a participação social assegurada pelos Conselhos Locais de Educação desenvolvidos e apoiados em governos do PS.

Os mega – agrupamentos de escolas: os agrupamentos iniciaram-se como uma medida pedagógica para articular os ciclos da escolaridade obrigatória e ultrapassar a “corrida de obstáculos” que esta constituía. Mais uma vez, os mega – agrupamentos, embora acarinhados pelo actual governo, foram criados com o pretexto da crise e para poupar dinheiro em educação. Esses  “mega” destruíram a identidade de cada escola, os seus serviços e as suas equipas. Porque não se reverte esta política?

A seleção precoce dos alunos, penalizando os que que vêm das culturas não letradas, criando “eleitos” e “excluídos” desde muito cedo, como mostram abundantemente os dados estatísticos, reproduzindo desigualdades onde o direito de todos a aprender já devia ser uma realidade. Referindo mais uma vez que não vou abordar o “esquecimento” actual da educação permanente, que não se prende apenas com a “empregabilidade”, assinalo o modo como se naturalizaram nos discursos políticos e mediáticos, no campo educativo, conceitos do neo – liberalismo, com particular destaque para o terrível “capital humano”. São muitos e não são neutros.

Finalmente, eis a minha proposta:

Que todos os que criticamos esta situação e que aqui, no CES, um Centro excepcional no campo das ciências sociais, encontramos as investigações críticas que constituem uma dimensão maior da Academia e do conhecimento, emancipado, libertador e humano, nos organizemos num colectivo, para além das gerações, das organizações em que trabalhamos, dos temas que nos ocupam, dos espaços em que intervimos, nos organizemos, dizia, num COLECTIVO de resistência, de investigação e de intervenção.

Esse Colectivo criará um blogue, dará voz aos silêncios, trará para o debate o que anda escondido, realizará investigações – tornando possível o impossível – sobre temas “malditos”, ou seja, aqueles que não estão na moda e que não interessam a economia financeirizada em que vivemos nem as Academias prisioneiras de rankings em que nos movemos.

Em breve, esse Colectivo terá um nome, bem como uma carta de princípios e um 1º Encontro.

Nos 50 anos da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, não poderia terminar doutro modo: Ousar Lutar, Ousar Vencer, pela Educação e pela Democracia.”

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