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A ciência como bem comum

Entre os dias 9 e 15 de novembro celebra-se a Semana Internacional da Ciência e da Paz, e o dia 10 de novembro é dedicado ao Dia Mundial da Ciência para a Paz e o Desenvolvimento. Esta efeméride, instituída pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em 2001, sublinha o papel essencial da ciência na sociedade e a necessidade urgente de a afirmar como elemento estruturante de um compromisso global com a paz e o desenvolvimento sustentável.

No contexto atual, marcado por ameaças à paz com genocídio e ascensão global da extrema-direita, o Fórum de Ciência Pública do CeiED – Universidade Lusófona destaca estas iniciativas da UNESCO orientadas para a reflexão e o diálogo em torno da ciência como bem comum

Enquanto cientistas, construtores de conhecimento, pensar a paz é pensarmos em coletivo – não apenas entre nós, mas com as comunidades, com as escolas, associações, autarquias, museus e outros espaços culturais. É reconhecermos que a paz se constrói como um processo dinâmico e participativo, que nutre a nossa capacidade de valorizar a dignidade humana e de cuidarmos uns dos outros e do mundo em que vivemos. A ciência inscreve-se neste entendimento ampliado, para lá da evidência da ausência de violência. Os conflitos fazem parte das relações entre pessoas e entre grupos sociais. Podem contribuir para o desenvolvimento humano, quando são ultrapassados de forma sensível, criativa e não violenta. A ciência como espaço de interação social, de diálogo, como “bem comum” inspira a permanência da paz, mapeando práticas e compondo cenários que contribuem para o desenvolvimento sustentável, suportados por decisões informadas e fundamentadas na investigação. Entendemos a ciência como um espaço privilegiado do aprendermos a viver em conjunto.

De acordo com a Recomendação da UNESCO em Educação para a Paz e Direitos Humanos, adotada em 2023, e que celebra os 50 anos da Recomendação de 1974, posicionando a educação como elemento central para a paz e o entendimento internacional, reafirma a importância de uma ciência e de uma educação comprometidas com esses princípios. Coincidindo com a comemoração dos 50 anos da Revolução de 25 de Abril de 1974, em Portugal, reafirma-se um tempo-espaço de responsabilidade, em que se torna essencial relembrar e reviver os desígnios da revolução: uma educação e uma ciência democráticas, promotoras da paz e do desenvolvimento.

Os desafios globais, como as alterações climáticas, a pobreza, a desinformação e outros riscos ambientais, sociais, económicos e geopolíticos, afetam profundamente a produção científica. Tornando-se enquadramento teórico e empírico, ou objeto de estudo, a investigação interdisciplinar em educação e desenvolvimento não é alheia a estas ameaças à paz global e à própria existência humana. A responsabilidade de investigadores e investigadoras situa-se, por isso, entre assumir posições epistemológicas e operacionais que permitam decidir caminhos promotores de uma mudança radical face ao curso que vivemos. As recomendações internacionais têm vindo a propor roteiros para a construção de sociedades mais justas, solidárias e pacíficas.

A ciência comprometida com a cooperação global vive o desafio de imaginar e concretizar mudanças num tempo marcado pela urgência e pela incerteza. Seja pela cidadania global, pela equidade de género, pela preservação da memória histórica ou pela educação digital, multiplicam-se contributos que apontam para uma ciência entendida como bem comum. No plano internacional, destacam-se quatro princípios orientadores de uma ciência ao serviço da paz e do desenvolvimento sustentável:

  • A gestão equitativa e sustentável dos recursos naturais é essencial para evitar conflitos e promover um desenvolvimento pacífico;
  • A preservação das capacidades científicas dos diversos países é fundamental para a paz, o desenvolvimento sustentável, a resiliência e a recuperação;
  • A diversidade é um fator determinante para a excelência na ciência, na tecnologia e na inovação, sendo essencial para otimizar a sua relevância e impacto;
  • Um compromisso com a concretização do direito universal à ciência.

Uma ciência entendida como bem comum é aquela que assenta nos direitos humanos e se afirma como promotora de acessibilidade e qualidade, livre de qualquer forma de discriminação. É guiada por uma ética do cuidado e da solidariedade, comprometida com a equidade de género, respeitadora da diversidade e promotora da inclusão. Garante segurança, saúde e bem-estar, e sustenta-se na aprendizagem e na transformação contínua ao longo da vida. Esta ciência constrói-se pela co-criação de conhecimento, defendendo a liberdade de expressão, de crença, de religião e de manifestação cultural. Promove o uso responsável e ético das tecnologias digitais, liga o local ao global e fomenta o diálogo entre culturas e gerações. É, por fim, uma ciência orientada por uma responsabilidade partilhada pela paz, pelos direitos humanos e pelo desenvolvimento sustentável, em benefício de todas as pessoas.

Num tempo de incertezas, permanece a certeza do compromisso de cada um de nós: pensar e agir com consideração, reconhecendo a existência do outro como condição essencial para a construção da paz e da ciência como bem comum.

Links úteis: UNESCO – Recommendation on Education for Peace and Human Rights